Falar de cidadania e saúde é falar da consciência dos direitos, deveres e das oportunidades de participação de cada pessoa no debate social, político e na vida da comunidade, incluindo os processos que envolvem a saúde de todos e de cada um. A cidadania, e a possibilidade do seu exercício, não pode ser entendida fora do contexto social e político em que se desenrola e, consequentemente, a abordagem social dos processos de construção da cidadania pressupõe que se olhe para esta problemática como uma realidade culturalmente determinada e em transformação. Em Portugal e nas últimas duas décadas, a cidadania e a saúde têm feito parte das prioridades governativas, sendo parte integrante do vocabulário de decisores políticos e das linhas de atuação de profissionais de diversos setores de saúde, de investigadores de diferentes áreas do saber e ainda do cidadão em geral. Este tem sido entendido como o centro e a prioridade das medidas legislativas ao nível da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários, priorizando-se o investimento em cuidados acessíveis, adequados, efetivos, eficientes e respondendo às expectativas dos cidadãos e dos profissionais, ainda que os responsáveis pelas medidas legislativas, avaliem a reforma como uma intenção legislativa em desenvolvimento. Neste trabalho, de natureza qualitativa, descritivo, com uma forte componente etnográfica e de trabalho de campo, pretende-se compreender os processos de construção de cidadania (in)visível em saúde das pessoas que vivem na condição de sem-abrigo, designadamente pela análise das conceções desta população acerca do que é a saúde, a doença e sobre os mecanismos de relação que estabelecem no acesso e utilização dos serviços de saúde. As orientações político-ideológicas inacabadas na democratização do acesso à saúde, parecem resultado de discursos e argumentos plurais aparentemente heterogéneos e não dialogantes com as pessoas na condição de sem-abrigo inviabilizando-lhes a efetivação de direitos e deveres.